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Mostrando postagens de março, 2015

Culpa sua

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Alguém é culpado. Da minha dor. Um carrasco recebido de presente enrolado em papel celofane com um laço de cetim furta-cor. Meu carrasco particular. O nome dele pode ser João, meu marido, mas pode ser até a ingratidão do mundo, ou esta minha perna mais curta que a outra, minha gordura, meus filhos. Culpado essencial que me concede o orgasmo de exibir, em praça pública, minhas costas rasgadas a chibata. Eu, porém, não sei de prazer. Só sei que sofro. Aponto meu carrasco para os amigos, na terapia, choro, me dilacero. Mas não consigo deixá-lo por quê? o amo. Não o amo. Preciso da dor na qual me viciei. Mas disso, não dou fé. Tenho milhares de razões para sofrer e vou esfregá-las na cara de qualquer fulaninha que venha me apontar a porta aberta da felicidade. Quero seguir dançando doida no palco com meu vestido branco encharcado de sangue, fazendo rastros vermelhos por onde passo. Minha plateia, cheia de culpados e vítimas, me entende, se contorce comigo nas minhas cólicas. Choram ju

Pior que a dengue

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Zé foi a uma manifestação destas de rua, numa sexta ou num domingo, e chegou em casa com uma grave arrogância ideológica. Entrou de cabeça baixa, irritado, e foi se deitar mais cedo. A mãe estranhou: o Zé foi sempre tão divertido. Primeiro sintoma da arrogância ideológica: perda progressiva do humor. Acordou no dia seguinte cheio de olheiras e a mãe descobriu que Zé não havia pregado o olho a noite toda. Ficou com a cara colada na tela do computador comentando postagens no Facebook. Zé não podia mais ficar calado diante de tanta imbecilidade. Ele precisava desesperadamente fazer aqueles idiotas, cretinos e equivocados que ficavam falando coisas estúpidas na rede social, saírem do seu estado de torpor miserável. Segundo sintoma da arrogância ideológica: ódio súbito de quem diz algo contrário. Queimando em sua febre catequizadora, Zé varou a noite xingando desconhecidos e buscando desesperadamente parceiros de fúria. Recorreu também ao Google onde digitou palavras que reforçavam suas

Mais torpor, por favor

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Eu preciso de algumas taças de vinho. De cara limpa não dá. Nas minhas inúmeras viagens semanais ao hipermercado, incluí no roteiro a passagem obrigatória pelo corredor das bebidas. Vou dizer que ando meio francesa e uma taça de vinho diariamente é fundamental para me abastecer de flavonoides e taninos antioxidantes ou sei lá o que. É mentira: preciso de uns minutos de torpor. Anestesiar-me... Este texto agora pode ser lido na íntegra no novo livro da Senhorita Safo.  Disponível a partir de 12/03/2016 no site das melhores livrarias.