Procura-te

Segues insistindo no outro: na culpa do outro, na responsabilidade do outro, no desamor do outro, no abandono do outro. Segues com a cantilena estéril da vítima. Segues esperando que o outro te resolva, te absolva, te salve. Não miras nas tuas ausências, mas na presença de outra na foto ao lado do outro. Não vês que és tu que faltas nas fotos que querias ver? Tu faltas até nas tuas frases onde impera o outro e seus objetos. No meio deles, dos objetos, vislumbramos tu e tua espera eterna do outro. Quando ele virá? Quando ele poderá? Onde ele irá? E reclamas. Não és mais tu, és a que reclama do outro. Não percebes que nada colocas na tua falta, nem uma muda de alecrim na horta seca e esburacada? Nem podes ir ao quintal espiar tua horta, pois estás obcecada em vigiar os planos do outro. E, assim, alimentas teu próprio egoísmo travestido de dor. Sim, és egoísta também só que às avessas. Podias ir ao outro e simplesmente dizer: este é o limite, esta sou eu. Mas queres jogar o jogo da dor. Queres um culpado da tua infelicidade. Não queres assumir a responsabilidade de pegar a si mesma no colo e andar. Estás aferrada a um passado de escassez, a uma dívida que precisas reeditar na forma do relacionamento que nunca te dá o bastante, o essencial, só as sobras. Não aceitas o não. Teimas em ficar diante da porta com a mão estendida, a chorar, a reclamar, o amor que você idealizou e não existe. Queres arrancar o amor do universo na porrada. Não irás. O amor não é assim, criatura. O amor flui irrefreável, quando há. O amor seca aqui e brota acolá, o tempo todo, incontrolável, abundante. Abre mão do controle e anda.  Aceita o desamor que o mundo te deu, sem birra. Aceita a falta de amor que guardas em si própria, tua escassez, não do outro. Olha o quanto tu é que te abandonas diariamente. O outro é só o mensageiro. Liberta o mensageiro. Procura-te.  
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