Esperando o assalto


Esperamos o assalto. Eu, você, todo mundo. Estamos tensos, paranoicos, esperando o assalto. Virou feijão com arroz. Tem um monte de neguinho que trabalha e assalta nos dias de folga. Não, não é uma piada. Assaltar é legal, assaltar vale a pena. Cadeia não tem, justiça não tem. Assaltemos.  No meu bairro, levantam uma casa por semana. E parece que, graças a Deus, são profissionais. Ser assaltado por amador então é o requinte da desgraça. Arma na mão de um idiota nervoso  pode ser um tiro inútil na cara. Com sorte: na sua cara e não na do seu filho. Então, reze para que o seu assaltante esteja calmo e bem preparado, que ele tenha passado por um treinamento, que ele tenha ido à sessão de terapia naquela semana. Reze porque é o que resta. O país melhora economicamente mas o número de assaltos cresce. Porque crime aqui é instituição, tem hierarquia, tem produtividade, tem metas a cumprir, tem até criativos que bolam o esquema da vez. Crime é cultura. E va-le-a -pe-na.  Chega de se iludir com vigias, câmeras de segurança, carro blindado, vidro filmado, eles vão entrar. E não é porque eles são maus, é porque são humanos. Ser humano escolhe, e ninguém, sem uma boa razão, vai optar pelo caminho mais difícil. E viver junto, em sociedade, é difícil pra burro, é um porre, e eu só faço se valer a pena. Não é porque eu sou boazinha que não ando pelada nem faço coco na praça. É porque fizemos um acordo: eu, você, o assaltante. É um acordo duríssimo, bicho quer ficar pelado e fazer coco na praça. Bicho toma a comida do outro se puder. Mas disseram lá atrás que este acordo ia ser bom pra todo mundo. Disseram que a gente ia trabalhar e dividir o que construísse, o que ganhasse. Que juntos a gente ia se proteger. Sociedade me pareceu uma puta ideia, o paraíso. E eu recolhi meus dentes, vesti esta roupinha e mandei fazer um vaso sanitário com paredes na minha casa pro meu coco não te incomodar. Mas eu queria mesmo era seguir meus instintos e fazer o que me desse na telha. E no fundo, no fundo, eu adoraria ser um homem com uma arma na mão e saber que seria moleza entrar na sua casa e levar a sua grana. Como um cachorro arranca o osso do menor, do mais indefeso. Como um urso macho estraçalha o próprio filhote. Eu ia me sentir poderosa, fodona, cheia da grana e ia achar que você é um babaca. Por que não? Me diga você, me diga o executivo, me diga o legislativo, me diga o judiciário, me diga este lixo de sociedade, por que não? E me diga rápido porque estou chegando na sua porta.
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Comentários

  1. Hahahaha! Adorei a estrutura desse texto, vc começa como vc mesma, e termina como um assaltante furioso! hahaha! muito bom!
    Sobre o conteúdo, pra que comentar? Eu nem consigo ter senso crítico, só fico presa às informações traumáticas... "no meu bairro levantam uma casa por semana", eu penso, "onde será que ela mora? será que é perto daqui?".
    Eu sempre disse que se vivesse como tanta gente vive nesse brasil vive seria uma assassina enlouquecida! Não consigo entender que tipo de convenção faz o cara que mora na rua entre um monte de papelão e uns cachorros magros e sarnentos não atacar o primeiro indivíduo sorridente e bem vestido que passa do lado dele... E por isso eu morro de medo! Morro de medo de ser a vítima do acaso que me escolheria como o alvo ideal para o surto social que estamos sempre a um passo de viver...
    Fui assaltada por um ladrão super profissional que só levou o dinheiro que eu tinha acabado de tirar no banco (dinheiro que nem meu era...)e não quis nem o meu celular, que estava na mão no momento que ele me abordou, e ainda assim, mesmo sem ter passado pelo horror de ser vítima dos amadores, ainda assim fiquei mais de mês sem conseguir sair na rua, crente de que todos os motoqueiros e homens ao celular estavam me perseguindo ou combinando o meu assassinato...
    Como viver assim?
    Apesar de toda a consciência social que acredito ter, e de nem sequer ter desejado a morte do cara que me assaltou, apesar disso, a única coisa que consigo pensar quando me deparo com essa questão da violência é totalmente egóica, egoísta, individual: eu quero saber como EU me livro desse medo e continuo achando sentido em fazer as coisas que eu faço, ignorando todas as possibilidades terríveis que estão me esgueirando!
    Triste isso né...

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    1. Eu também, Luisa, só penso em me safar, safar meus filhos. Os ladrões desceram das caravelas e ajudaram a colonizar este país. E deixaram sua marca bem fundo. E têm exemplo de cima. Se papai rouba, por que não?

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  2. é Hobbes tinha razão, e a idéia do contrato social é uma utopia. Cada um que se vire!

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  3. Estranheza ter lido esse post hoje a tarde e, algumas horas depois,... ter sido assaltado. Na rua de baixo de casa, tsc tsc.

    Dois moleques. Dois pirralhos que certamente ficaram empolgados com os miseros trocados na carteira e o iPhone fodao que eles iam exibir pra todo mundo. O mesmo iPhone fodao que localizei pelo iCloud e atraiu o destino deles: cadeia. Fico imaginando a decepcao deles quando foram presos.

    No fim, ficou tudo bem pra mim. Ou nao. As cinco horas na delegacia me aproximaram de dois ou tres policiais que contaram um pouco do seu dia a dia e os tantos motivos para ser pessimista.

    Nao quero isso, nao quero!

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    1. Achilles, não tem um aplicativo no I-Phone para injetar alteridade?

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