Outra Vez

Releva. Releva outra vez. E quando parecer demais, releva de novo. A maturidade expõe nossa arca de tesouro cheia de irrelevâncias preciosas. Coisas inadmissíveis que o arroz com feijão da existência vai mostrando que sim, podem ser. Eu era jovem e cheia de orgulho. Gente orgulhosa carrega um não sei quê de desvalia. Tinha uma fachada relevante aos 20, aos 30 anos. Hoje, um ser humano num dia ruim mija de maldade na minha fachada, e a voz da senhora lá dentro repete: releva, isso sai com um paninho úmido, releva, não invente batalhas inúteis, era um dia ruim, vá, releva. E é verdade: sai com um paninho úmido. E minha fachada pode ficar mijada um ou dois dias também. Paciência. A mancha amarela escorre para a calçada mas não me mata. Desvio os olhos para o amanhã. O outro está num dia bom e me sorri. Não veio com seu paninho lustrar meu muro, não caiu de joelhos pedindo perdão, não se martirizou com chicotadas nas costas e eu não venci. Apenas sorriu. Espero mais um ou dois dias para pedir ao outro, da forma mais doce possível, que não mije ali, que me dói. Mas não levo nenhum contrato pra ser assinado. Relevei realmente, não carrego mais contratos que me assegurem. Carrego baldes com paninhos que são imensamente mais leves. Há limites e o essencial está bem guardado longe de todo este barulho da superfície. O relevante. O mais importantes que o outro. Minha alma. Dias ruins estão garantidos no calendário, virão. Espiarei dona alma na hora da dor e, se ela deixar, seremos tolerantes, e esperaremos o mijo trasmudar-se em sorriso uma outra vez.
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Comentários

  1. Nana...

    ...traduz exatamente a fase da minha vida que estou vivendo.

    Sensível e tocante, com um exemplo que marca a dor de sermos agredidos e desrespeitados.

    Mostra muita vivência e experiência de vida de uma alma nobre.

    Beijo.

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